No início, ele disse, em jeito de provocação, que éramos um público de concerto. Querendo dizer com isto, penso, que aplaudíamos com educação, mas contidos, talvez porque (no início), a timidez nos impedisse de cantar alto as músicas que se alvoraçavam cá dentro.
Talvez achasse que não sentíamos a guitarra e que ouvíamos o fado como se nada nos afectasse.
Lá mais para o meio do espectáculo, a timidez deu lugar à emoção e cantou-se em Macau, no Teatro D. Pedro V, a alto e bom som, o Fado de Lisboa.
Senhor Carlos do Carmo, ao escrever estas linhas, ao som dos fados que ouço, escuto, decoro, aprendo e a que me entrego desde criança, ainda estou emocionada.
Falo por mim e talvez por todos aqueles que estavam no Teatro D. Pedro V: o Fado está-nos na alma!
Mas, tal como quando, ao som do despertador ou a pedido da mãe, acordamos de madrugada e só queremos fechar os olhos e adormecer novamente, o silêncio nasceu do torpor, do enlevo, do não querer acordar de um sonho a que chegámos com os acordes da guitarra, as letras belíssimas, e com a harmonia e poder da sua voz.
E depois (e sempre) Lisboa.
Amo aquela cidade.
"Lisboa Menina e Moça" é um martírio para quem está longe. Para quem não toma um café na Graça, para quem não desce de eléctrico dali até à Baixa e, de seguida, sobe até ao Camões para, de novo, descer e perder-se no Poço dos Negros, passar à Assembleia, subir à Estrela e, por fim, ficar-se pelos Prazeres.
Ele há coisas que esta terra de que tanto gosto não apaga: a saudade de algo que não é amigo, com a qual não se conversa, com quem nada se partilhou e que nos faz tanta falta – Lisboa.
Obrigada, a minha alma (de fadista, como gosto de acreditar) agradece.
Deixo-vos com Alexandre O'Neill
"Se uma gaivota viesse
Trazer-me o céu de lisboa
No desenho que fizesse
Nesse céu onde o olhar
É uma asa que não voa
Esmorece e cai no mar
Que perfeito Coração,
no meu peito bateria
Meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração
Se um Português marinheiro
Dos sete mares andarilho
Fosse, quem sabe, o primeiro
A contar-me o que inventasse
Se um olhar de novo brilho
Ao meu olhar se enlaçasse
Que perfeito coração,
no meu peito bateria
Meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração
Se ao dizer adeus à vida
As aves todas do céu
Me dessem na despedida
O teu olhar derradeiro
esse olhar que era só teu
Amor, que foste o primeiro
Que perfeito coração,
morreria no meu peito
Meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração
(Gaivota)
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