Cântico Lindo (o poeta chamou-lhe Negro)
Bolhas, bolhas, bolhas, já vejo uma certa tristeza no olhar:
"Lá vem esta pseudo Bolha descaracterizar o nosso Blog".
A intenção não é essa e também não se trata de um momento cultural.
O poema é lindo. Dediquei-o (naturalmente com o consentimento do autor) a um amigo que faz anos hoje, mas
queria também partilhá-lo com vocês.
"Vem por aqui" – dizem-me alguns com olhos doces,
estendendo-me os braços,
e seguros de que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho os com olhos lassos,
(Há nos meus olhos ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
– Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe.
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Porque me repetis: "Vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?
Corre nas vossas veias sangue velho dos avós.
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
— Sei que não vou por aí!"
(José Régio)
Etiquetas: Momento poético
3 Comments:
Uuuuuuuuuuuauuuuuuuuuuuuu!!! Que momento de Coltura!!! Um bocadito brutal este poema mas bonito, sem dúvida.
Como quem é que a querida não quer ir por aí? Muito estranho...
Lá me esqueci que estava a escrever de e para BOLHAS: quem não vai por ali não sou eu.
Me myself and I, bolha com pilhas de graça e (quaaaaaase) sempre bem disposta, vai para todo o lado (assim o coração, ou outras coisas menores, mandem).
Mas ele há uns e outros, mais uns do que outras, que não são assim.
E que, muito provavelmente por isso, têm - como diria uma amiga nossa - quilimanjaros de charme.
Mr Darcy?!
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